Desde seus 10 anos, Pedro tinha medo da passagem. No dia de seu aniversário, ele viu sua amada avó estendida sobre o caixão à espera de ser enterrada no cemitério mais feio do mundo, segundo ele. O corpo de sua avó estava inerte e ele olhou aquilo com... indiferença. Não parecia ser sua avó; era como uma casca ali, deixada para trás. Sua mente trabalhava para não ter qualquer emoção, contudo seu coração gritava aos quatro cantos do mundo. Ele quis deitar e ficar ali com ela... mas teve medo dela. Pela primeira vez, teve medo de sua avó.
A morte de sua avó foi seu primeiro contato com a morte e não seria a última.
Vinte e cinco anos se passara, e ele olhando para a foto escurecida e velha na qual sua falecida avó estava, se lembrava de cada segundo daquele dia terrível. Parecia que era hoje, parecia que tinha acabado de acontecer; ainda conseguia sentir o cheiro das flores, da pele morta de sua avó. Tudo ainda estava gravado em sua mente e em seu coração, e parece que jamais desapareceria.
Era o dia do seu aniversário de trinta e cinco anos, Pedro dirigia seu carro de volta para casa pelas avenidas caóticas depois de um dia extenuante de trabalho. Sua mente estava em sua casa, o aconchego da sua família, e não via a hora de chegar em casa. Seus três filhos pequenos o esperavam, sua esposa o esperava, linda e fiel, e quando pensou neles, seu coração se acelerou e sua mente foi como que atingido por um raio. Um sentimento de culpa pairou sobre sua cabeça e o torturou por alguns instantes.
Pedro sabia que não era justo fazer isso com sua família, especialmente com sua esposa. Manter um contato extraconjugal com uma mulher que ele nem amava era um desperdício de tempo e de energia, mas ele já o mantinha há algumas semanas, e não era a primeira vez que traía sua esposa... a lista de mulheres já tinha passado do limite que podia ser lembrado.
Pedro não era mau. Era um bom pai, amava seus filhos; era um bom esposo, apesar das traições, e tinha sua esposa como a melhor mulher do mundo. Parecia amá-la e daria até sua vida por ela. Era um bom patrão: seus cinco funcionários não tinham nada de mal para falar sobre ele. Ia regularmente à Igreja, rezava com freqüência, ajudava obras de caridade, e sua fama era o de ser o melhor amigo que já existiu.
Pedro, porém, ainda assim sentia um incomodo em seu coração. Ele era o homem que não conseguia se livrar do vicio de sair com outras mulheres, mesmo com um ótimo casamento.
Mas, o que ele não sabia era que isso ainda seria resolvido no dia do seu aniversário.
Quando fez a esquina que dava para a rua de sua casa, Pedro avistou um enorme caminhão, estacionado, perto de sua casa. Sorriu por perceber que ele estaria estacionado bem de frente à sua garagem e dificultaria sua entrada.
Ainda estava pensando nisso quando percebeu que o caminhão não estava parado, ele estava descendo ladeira abaixo, de ré, em sua direção, desgovernado. Ele parou imediatamente o carro pisando fundo no freio, mas antes que pudesse mudar a marcha, o caminhão o atingiu com um barulho ensurdecedor de lataria sendo esmagada e vidros se estilhaçando.
Pedro sentiu um forte impacto em seu corpo e em seu rosto: era o air-bag reagindo ao impacto. No segundo seguinte, percebeu que o carro estava sendo arrastado rapidamente que os pneus até rangiam contra o asfalto. Sentiu um gosto de sangue na boca e um cheiro forte de combustível e fumaça. Ainda no mesmo instante, percebeu que o teto estava se abaixando, atingindo sua cabeça; sentiu também que a traseira do carro atingiu algum obstáculo, um muro de uma casa ou outro carro, talvez. Foi tudo instantâneo.
Pedro percebeu que seu corpo estava sendo pressionado para baixo, como numa caixa fechada, sentiu sua cabeça girando de um modo lento até atingir uma velocidade perigosa numa vertigem que o fez vomitar. Sentiu que o ar não estava mais entrando em seus pulmões, que existia um entorpecimento em seus braços e pernas, e um calor percorreu todo seu corpo e logo em seguida um formigamento tomou conta dos braços e das pernas até atingir seu rosto. Um gelo tomou conta de tudo à sua volta e ele não conseguiu perceber mais nada.
Uma leveza tomou conta de todo o carro. E ao longe ouviu gritos de desespero e de socorro. Percebeu que um carro freou do lado do seu e ele pôde ver quem estava nele. Era alguém totalmente desconhecido. Essa pessoa saiu do carro com um extintor de incêndio e o esvaziou sobre o seu carro, apagando as primeiras chamas.
Pedro fez um movimento e levantou-se no ar. Tentou segurar-se na cabine amassada do carro, mas não foi capaz. O carro totalmente esmagado contra o muro, pressionado pelo caminhão, ficou uns 3 metros abaixo de si, e ele começou a perceber toda a realidade dessa perspectiva.
As pessoas começaram a se aglomerar em volta do carro, enquanto alguns gesticulavam ao celular e outros impediam a passagem de carros. Ao longe, três ou quatro casas ladeira acima, ele pôde ver sua esposa correndo na direção do carro.
Ela parou de repente, ajoelhando ao lado do carro, enquanto gritava o seu nome. Pedro tentou se aproximar dela, mas sem sucesso: ele não conseguiu se mover de onde estava.
Nesse instante, um carro dos bombeiros parou com ruído ali próximo. Tudo de repente transformou-se diante de si como se um clarão tomasse conta de todo o ambiente e ele sentiu-se ofuscado e banhado por uma luz que jamais vira antes. O lugar onde estava o carro, sua esposa, os curiosos, o carro dos bombeiros foi totalmente tomado por essa luz de tal forma que não conseguiu enxergar mais nada além dessa luz.
Um medo tomou conta de si, ao mesmo tempo que uma leveza percorria todo o seu ser. Se fosse possível, ficaria ali para sempre. Não ouvia nada, nem respiração, nem dor, nem o movimento de vento ou qualquer outro ruído. Apenas o nada em toda parte.
Essa luz era tudo o que podia perceber e ela não o machucava, antes sentia necessidade que essa luz jamais se apagasse.
- Meu Deus, será... que estou morto? – foi seu pensamento. Até pensar era diferente, porque a sensação era que todo seu ser era pensamento e que se alguém estivesse por perto, saberia o que estava pensando.
- Deus... – ecoou em seu ser essa Palavra, como que fosse dita no mais íntimo de seu ser.
Instantaneamente a luz dissipou-se e ele se viu ainda no mesmo lugar que estava antes, vendo todos os acontecimentos a 3 metros de altura. Muitas pessoas estavam ali, bombeiros... e sua esposa amparada por outra mulher que ele não conhecia. E no meio dessa muvuca, alguns bombeiros estavam em volta de um corpo inerte estendido no chão, e Pedro, ao olhar com mais firmeza, percebeu que era ele. Eles puxaram seu corpo e o colocaram sobre uma tábua amarela e energicamente cortaram a multidão e levaram seu corpo até uma ambulância parada ali próximo.
Assombrado, Pedro observava tudo isso, sem poder nem sair de onde estava. O único pensamento que teve foi que estava morto, era sua única resposta.
Nesse instante, sentiu arrebatado até um outro local. Era um hospital muito grande. Num relance, numa velocidade espantosa, Pedro foi puxado atravessando muitos cômodos, alguns com muitos pacientes esperando, outros com médicos e outros com doentes em camas. Segundos depois, viu-se parado no que parecia ser um UTI. Começou a assistir tudo do teto.
- Meu Deus... cadê você? – pensou ruidosamente, como que seu pensamento tivesse ecoado por todo o universo.
Ao analisar bem, viu o paciente que estava na cama. Era ele mesmo, cheio de tubos e fios, envolto de aparelhos estranhos.
De repente começou a entender o que estava acontecendo. Um medico entrou e disse para o outro:
- Está quase tudo preparado para a retirada dos órgãos... e como estão as funções vitais?
O outro medico respondeu algo que Pedro não entendeu.
- E a parte burocrática? – continuou o outro.
Um sentimento perto do desespero apoderou-se de Pedro. Ele estava realmente morto... e agora? Pensou em sua esposa, nos seus filhos... nos seus amigos. Como seria o mundo sem ele?
Mas, um pensamento aterrorizador tomou conta da sua mente: teria que se encontrar com Deus e prestar contas da sua vida?
Ao pensar isso, um grande silêncio tomou conta do seu ser. Ao mesmo instante sentiu-se avivado, e todo desespero desapareceu instantaneamente. Ele sentiu seu ser sendo puxado com uma velocidade incrível até um “lugar” desconhecido para ele, um lugar que não conseguiria nem em um milhão de anos, usando todas as palavras do mundo todo, exprimir com exatidão... e uma paz que ele jamais sonhou existir invadiu seu ser.
Tentou expressar-se, mas a imensidão do “ambiente”, a paz inaudita, a perfeição que sentiu fizeram-no escolher não falar. Preferiu ficar em silêncio, apesar de ainda não ter ouvido auditivamente sua voz.
Quando ainda estava usufruindo desse mundo, Pedro sentiu aproximar-se dele um personagem, mas não o viu. Como ele sentiu, não sabia, mas teve a certeza absoluta que alguém estava se aproximando dele. De que lado vinha? Também não sabia. Não sentiu qualquer fio de medo, mas um respeito tomou conta de si e se pudesse ajoelhar-se teria ajoelhado.
- Tem alguém aí? – Pedro pensou, quanto tentou falar.
O ser que se aproximava parou ao seu lado e Pedro sentiu sua presença cheia de respeito, paz e graça.
- Quem é você? – pensou de novo ao invés de falar. Foi assim que Pedro notou que não tinha mais como falar; seu pensamento era sua fala.
Uma felicidade tocou seu espírito e ele se sentiu inflamado de um amor quando ouviu em sua mente a voz do personagem.
- Sou enviado de Deus para te dar uma mensagem.
- Você é um anjo?
- Sou um das centenas de milhares de bilhões que adoram a Deus sem cessar.
- Onde está Deus?
O personagem pareceu se entristecer, mas sua voz soou como um raio que fez o interior de Pedro se estremecer.
- Pedro, pedra dura! Deus está em toda parte...
- Aqui é o céu? Aqui é muito...
O personagem pareceu mudar de posição em relação a Pedro.
- Pedro, o céu é quando você está imbuído na Divindade e vive e se move Nela. Você e Deus se tornam quase um. Isto aqui não é o céu. Você não pode entrar nele, é incapaz de amar o bastante.
- Então...eu estou morto e não posso entrar no céu, vou para o inferno?
- Aqui é o além vida terrestre. O céu é infinitamente melhor que aqui. Você está aqui comigo porque não é digno de entrar no paraíso. Com suas ações, se você passasse agora pelo juízo com o Espírito Santo tocando em sua consciência, você perceberia que o inferno é o seu lugar eterno.
Pedro sentiu uma dor terrível em seu interior. Como que um tremor percorreu sua mente e ele sentiu vontade de morrer, desaparecer... se sentiu indigno de estar ali.
- É verdade, eu errei muito...
- E não buscou sua salvação... não se arrependeu e não buscou o perdão do Senhor Jesus Cristo.
- Eu me arrependo agora – explicou Pedro ao sentir o desespero se apoderar de seu ser. Como poderia estar num lugar impossível de explicar de tão belo e ainda se sentir assim?
- Se você estivesse em julgamento, você não seria capaz de se arrepender. Você veria que seu arrependimento seria impossível de te salvar das trevas... e seu arrependimento neste momento não tem peso para pagar suas dívidas com Deus.
- O que eu devo fazer? Me ajude... estou desesperado.
- Desde o início dos tempos, Deus, ao pensar em você, já te escolheu para te dar uma nova chance.
- Chance? O que eu devo fazer para ficar aqui ou ir para o céu?
- Não há o que você possa fazer aqui, Pedro. Aqui é o lugar da verdade.
- Então qual será essa nova chance?
Ao indagar isso, um grande raio rasgou sua visão e ele viu seu corpo inerte cheio de tubos sobre a cama. Ele estava de volta ao hospital e sozinho. O ser havia ido embora e com ele todo aquele “lugar”.
- Meu Deus... – ele suspirou, emocionado. Pedro entendeu tudo imediatamente. Ele iria voltar a viver na Terra. – Não sou digno, mas agradeço seu amor misericordioso...
Ao dizer isso algo como uma nuvem surgiu acima de Pedro e ele a olhou um pouco assustado, porque aquilo era nefasto e parecia cheio de ódio.
- Ele não merece isso. Não é justo ele ter outra chance. Deveria ser levado para o inferno.
Pedro se encheu de medo e buscou a ajuda de Deus com a força do intimo do seu ser.
- Vou me afastar, como ordenado a mim agora. Mas nesse mundo de onde você veio, vou te perseguir para que não consiga cumprir o plano de Deus, eu juro.
Ao dizer isso, a presença enjoativa desapareceu e Pedro percebeu interiormente que a presença cheia de ódio se foi por ordem de Deus, por ele ter recorrido à ajuda de Deus.
- Eu quero voltar, eu preciso voltar, não há nada mais justo, meu Deus.
Ao dizer isso Pedro sofreu um solavanco tão repentino e intenso que pôde ouvir um estrondo tão forte e amedrontador que jamais quis ouvir aquilo novamente. E ele foi se aproximando devagar até o corpo inerte na cama, e chegou tão próximo que pôde observar até os pelos da sua pele fria. Ele não sabia o que fazer em seguida, como voltar, até que sofreu outro solavanco intenso seguido do mesmo estrondo e tudo se apagou.
Pedro ouviu de novo o mesmo estrondo amedrontador e esse barulho o fez acordar. Ao abrir os olhos os aparelhos apitaram, e ele se deu conta de que estava de volta no corpo. Olhou do lado e viu um médico e uma enfermeira se aproximando.
- Ele acordou... – disse a enfermeira. E Pedro sentiu enjôo ao ouvir a voz dessa senhora. Como aquilo não tinha nenhuma comparação com aquilo que viveu segundos atrás! A voz dela era tão feia!
- Devemos avisar a família.
- Eu achei que ele não acordaria – continuou a enfermeira. – Era um caso muito complicado.
- Exatamente – enfatizou o medico. – Depois de ser dado com morte encefálica, horas depois um sinal de vida encefálica foi encontrada pelo Dr. Cezar. Quase foi feito um grande erro nesse paciente.
- E já estava em coma há seis semanas... eu achei que este não voltava, doutor.
Pedro ficou intrigado. Já tinha se passado seis semanas desde o dia do acidente! E parece que viveu apenas 10 minutos enquanto morto e já em seguida acordara.
A família foi chamada. Pedro voltou para casa um mês depois com algumas fraturas e ficou fazendo fisioterapia durante um ano. O mais incrível era que não tinha ficado nenhum tipo de seqüela neural apesar de ter perdido massa encefálica.
Pedro deixou sua vida de traição do lado e tornou-se ainda mais um bom pai e um ótimo esposo. Abriu um abrigo para mendigos, e começou a freqüentar um grupo de oração de sua igreja e tornou-se um grande pregador, viajando pelo país afora para anunciar o que tinha vivido.
Pedro estava se apaixonando por sua nova casa, em outra cidade, para onde levara toda sua família. Era pequena, mas muito aconchegante. Ficava perto de uma capela para onde ia sempre que podia para fazer suas orações.
Já fazia quase dez anos desde o dia do acidente e da experiência denominada pelos psicólogos e médicos de EQM (Experiência Quase Morte). Hoje, após esses anos, ele estava mudado. Não era mais aquele homem que não se importava tanto com a mulher e com os filhos. Estava mais feliz e menos propenso a desistir das coisas que faziam bem à sua família.
Depois do EQM ele se tornou outro homem. Sua esposa se surpreendeu, seus vizinhos, seus companheiros de trabalho, seus pais. Ele não era o mesmo. Ainda que fosse antes um homem bom, agora é um homem muito melhor.
Caminhava para a igreja todas as vezes que era solicitado. Tornou-se um missionário e sempre anunciava Deus e a experiência que teve por toda parte. Subia no púlpito e falava durante uma hora sobre Deus e sobre o que Deus fez por ele.
Num dia que ia para casa, vindo do trabalho, Pedro viu algo que parecia ser a mesma nuvem que vira na experiência. Os pelos de sua pele se eriçaram e ele freou abruptamente, enquanto seu coração parecia subir até seu pescoço. Quando olhou de volta para o lugar onde a nuvem estava, nada havia lá. Chegando em casa, ojoelhou-se e pediu a Deus que o livrasse do mal. Desse dia em diante ele começou o calvário da sua vida.
Seis meses depois, um de seus filhos caiu doente e ficou de cama durante praticamente um ano, entre indas e vindas entre sua casa e o hospital. Ele teve medo de perder seu amado filho. Mas, de repente, num domingo de manhã tudo passou. O jovem acordou como se nada tivesse e sentiu-se sadio como nunca.
Após isso, sua esposa caiu doente de depressão e síndrome do pânico e ele esteve do lado dela durante os anos seguintes, enquanto ela lutava contra essa doença, até que ela se curou.
Após a depressão de sua esposa, Pedro percebeu que era a luta que lhe prometera aquele ser nefasto no dia da EQM. E sabia, em seu coração, que era apenas o começo.
No dia do aniversario de 13 anos do acidente, Pedro dormia em sua casa sozinho quando, aparentemente, um curto elétrico incendiou a cozinha até que se espalhou pela casa. Pedro acordou com o calor das chamas já atingindo o corredor que dava para seu quarto. Salvou-se por pouco, pulando pela janela do quarto. Neste incêndio queimou-se o computador que continha o livro que estava escrevendo sobre a experiência de quase morte que teve.
Ele perdeu tudo e o seguro não cobriu tudo o que possuía. Sem saber para onde ir, Pedro alugou uma minúscula casa onde foram sua família e ele morarem. Sua comunidade o ajudou com móveis novos.
No mês seguinte após esse acontecimento, o pai de Pedro faleceu de AVC enquanto estava sozinho num quarto de hotel, em outro estado, a trabalho. Ficaram sabendo dois dias depois quando o encontraram morto.
Pedro se sentiu perdido em meio a tantos problemas e sentia-se esgotado, e por fim sentiu-se desanimado. No meio desse desânimo, encontrou-se sozinho, sem ser entendido por ninguém, nem por sua família. Estava no momento crucial de sua vida e ninguém parecia estar do seu lado, nem as pessoas que mais amava. Caiu numa depressão e ficou doente fisicamente com problemas de coluna e de coração.
Passou a viver assim durante mais alguns anos, entre momentos de luta contra depressão e a dor dos problemas à sua volta. Teve que passar por duas cirurgias na coluna e teve que se afastar do trabalho temporariamente, porém Pedro não se afastou de Deus e continuava sua missão mesmo em meio a tantos problemas.
Num dia em que estava em casa, sofreu um enfarto fulminante e morreu sem mesmo conseguir se levantar da poltrona para pedir ajuda. O fim de sua missão neste mundo foi assim: sentado numa poltrona enquanto tirava um cochilo num domingo à tarde, depois de voltar de um retiro espiritual no qual pregara.
Pedro estava dormindo quando sentiu como que uma eletricidade passando por seu corpo e logo em seguida uma dor aguda e terrível em seu peito. O corpo perdeu os sentidos e ele acordou sem ar. Não conseguiu mexer nada no corpo e ficou ali estirado sem conseguir falar ou mesmo levantar a mão. Foram alguns segundos de dor, e logo em seguida sentiu uma paz tomar conta da sua sala, apesar da dor. Aquela paz não era algo, parecia ter vida, ter existência própria. Era como que um perfume invadindo todo o ambiente e até seu ser. Essa paz misturou-se com sua dor e ele sentiu-a como que desaparecendo, apesar de ainda estar ali e essa dor parecia tornar-se uma benção ao invés de algo terrível. Essa dor era o chamado de volta para casa.
Depois disso seu corpo pareceu adormecer, começando dos braços e percorrendo vagarosamente todo o corpo. Olhou à sua volta e não encontrou ninguém. Estava sozinho, mas a paz que tinha vida estava com ele, não somente ao seu lado, mas dentro dele; e Pedro nunca mais queria deixar de sentir aquela paz.
Um trovão, como o já ouvido anos atrás, ressoou à sua volta e ele sentiu-se elevado acima de seu corpo, mas sentia-se milhares de vezes mais leve que anos atrás; e livre. Um senso de liberdade e imensidão tomou conta de sua vida íntima que ele não conseguiu nem entender, nem imaginar que isso existisse, nem nos seus maiores sonhos, nem que sonhasse por cem milhões de anos. Era incrivelmente infinito e perfeito. E a paz continuava a aumentar gradativamente...
Pedro não sentiu medo, como da outra vez. Não sabia exatamente o que aconteceria em seguida, mas sabia interiormente que seria algo que ele não conseguiria imaginar jamais. Tudo isso havia acontecido em menos de um minuto, mas ele sentiu como se fossem horas. Não queria que passasse essa sensação nunca mais, e se fosse possível, faria qualquer coisa para que jamais passasse.
Estou morto – foi o que pensou imediatamente. Mas, até quando? – Ele sentia-se muito mais vivo que jamais sentira e em seu interior teve a certeza que a morte não existe. Sentia-se muito mais vivo, imortal, cheio de saúde, de equilíbrio e leveza.
Tudo isso acontecia ali, enquanto estava naquela sala, ao lado de seu corpo inerte. Pedro olhava seu corpo e não sentia saudades dele, apenas o olhou como quem deixa de lado uma roupa suja e que precisa ainda ser lavada.
Nesse instante alguma coisa chamou sua atenção para o outro lado da rua, através da janela, e viu alguém vindo em sua direção, sem tocar o solo, atravessando a parede à sua frente.
Quando notou a presença dessa pessoa, ele tremeu inteiramente e seu ser foi tomado de uma alegria que não sonhava existir. Achou que fosse morrer por tamanho contentamento e efusão.
Aquele ser extremamente belo e poderoso vindo em sua direção o encheu de um arroubamento de alegria que ele mal pôde se conter, por isso procurou ir também ao encontro daquela pessoa, e quanto mais próximo chegava, mais achava que iria estourar de tanta felicidade.
- Pedro, eu vim te buscar.
Ao chegar ao seu ser o que dizia aquela pessoa, ele entrou num êxtase de paz e felicidade.
- Você é Deus?
Eles não conversavam entre si audivelmente, mas de uma forma totalmente nova para Pedro. Era algo desconhecido, uma comunicação que Pedro jamais imaginava que seria possível existir, um meio infinitamente superior ao meio utilizado na Terra, entre os seres. Mesmo quando teve a experiência anos atrás, a comunicação entre eles não era algo como o que estava tendo agora, nem de longe. Essa comunicação era algo infinitamente mais poderoso e eficaz do que o da Terra.
Pedro, ao contemplar o ser, imaginou imediatamente que ele era Deus. Aquela pessoa era totalmente diferente do que os seres da Terra, não tinha nada físico, mas tinha um corpo totalmente espiritual, com uma beleza que não podia ser comparado a nada que Pedro conhecia anteriormente, com um esplendor e beleza estonteante, elevado ao máximo que podia ser elevado uma beleza.
- Não sou.
Pedro ficou mais admirado ainda por saber que aquela pessoa não era Deus. Como não seria com tamanho esplendor e gloria em si, tamanho poder e felicidade que emanava dele?
- Sou apenas embaixador de Deus. Venho em Nome de Deus para te acompanhar até a eternidade.
- E onde está o meu Deus?
- Em todo lugar... mas vou te levar até Ele logo que me for permitido.
Pedro queria saber quem ele era, por quê era assim tão belo e cheio de esplendor, muito mais do que Pedro vira antes.
- Sou criatura. Sou assim por não ter deixado o Paraíso no tempo da desobediência.
Imediatamente Pedro entendeu do que ele falava. Falava da desobediência de Lúcifer.
- Não abandonei meu trono de glória e fui chamado a estar mais perto ainda de Deus. Por isso minha glória. Existem ainda seres muito mais gloriosos que eu.
Pedro ficava cada vez mais admirado.
- E Deus?
- Quando O vires, com certeza desaparecerás se Deus não der a você a capacidade de contemplá-Lo. Logo O verás...
- E Ele me dará essa capacidade? – questionou Pedro.
- Sim, te dará.
Pedro desejou ardentemente ver a Deus e saber como Ele é, mesmo que desaparecesse ao contemplá-Lo.
E Pedro está a ponto de contemplá-Lo, como todo ser humano irá um dia fazer. Mas será muito além do que Pedro sequer imaginou ou seria capaz de imaginar.
Pedro desejou ardentemente ver a Deus e saber como Ele é, mesmo que desaparecesse ao contemplá-Lo.
E Pedro está a ponto de contemplá-Lo, como todo ser humano irá um dia fazer. Mas será muito além do que Pedro sequer imaginou ou seria capaz de imaginar.
O ser glorioso bem à sua frente o fazia exultante como jamais imaginou que estaria em toda sua vida.
- Esteja preparado para encontrar-se com Deus! – disse-lhe o ser.
Ao ouvir isso Pedro sentiu-se “apavorado” pela primeira vez. Um temor que ele jamais sentira invadiu seu ser. Um temor por estar diante de Deus, ele um ser humano.
- Você está preparado? – continuou o ser.
- Não.
- Pois devia. Você teve a vida toda para isto. Já devia estar preparado...
Uma grande luz jamais vista por Pedro invadiu todo o ambiente e seu corpo desapareceu diante dele, e também sua casa. E, de repente, sem aviso, Pedro sentiu-se literalmente arrastado por aquele ser para fora do planeta Terra, até que parou acima do globo, e Pedro pôde contemplar toda a Terra azul, na sua beleza singular.
- Este é seu antigo lar – explicou o ser.
Pedro concordou em seu coração.
- Esteja preparado para viajar – explicou o ser.
E, num ímpeto violentíssimo, Pedro sentiu-se arrebatado numa velocidade pelo espaço sideral, tão rápido que não conseguia ver por onde estava passando e para onde estava indo. O ser à sua frente o levava pela velocidade do pensamento... e Pedro percebeu que tinha ultrapassado qualquer velocidade física imaginada.
Tudo parou quando ouviu um grande silêncio invadindo tudo ao seu redor. Pedro pôde olhar ao seu redor e notou que não estava em lugar algum, e sentiu um temor reverencial em sua alma. Nisso, diante de si, como se já estivesse ali bem diante de Pedro a vida toda, apareceu a Pessoa mais linda e perfeita que Pedro jamais imaginara. Pedro sentiu-se arrebatado de amor e doçura, num êxtase de paz e quietude muito maior do que teve quando viu o ser que o visitou no momento de sua morte.
Diante de si, Pedro não teve dúvida de quem o visitava; a Pessoa o iluminou com sua Presença e ele não teve dúvida: era Jesus.
O Homem à sua frente tinha uma glória infinita. Seu Corpo humano era de uma beleza jamais vista em toda a Terra, do qual fluía uma luz que não era luz natural, mas um esplendor de pureza infinitamente superior ao da Terra. A luz que Ele emitia fazia a luz da Terra ser impura e escura.
Pedro não conseguia tirar o olhar do Homem. Parecia não haver mais nada no universo, só eles dois. Dois homens. Um só coração.
Um temor percorreu todo o espírito de Pedro e ele, totalmente apaixonado por aquele Homem, trocaria toda sua vida por Ele. Preferiria morrer cem mil vezes com as mortes mais horripilantes a perder um só segundo da companhia mais maravilhosa e confortante do universo.
Pedro notou que o Corpo do Homem estava ferido: seus pulsos furados, os pés atravessados, o lado aberto. Quando voltou seu olhar para sua Face, ele viu que sua cabeça estava rodeada por uma coroa de espinhos. Ao contemplar isso, Pedro sentiu um terror penetrar seu ser que pensou que iria desaparecer. E diante de si viu abrir toda sua vida num só segundo. Contemplou todas as pessoas que conheceu em vida, as que afetou direta e indiretamente, e desfilou diante de si todos os seus atos, mesmo os mais minúsculos até os maiores, e como isso afetou a vida de todos os seres humanos que existem e que viriam a existir.
Ele viu o estrago que provocaram seus atos egoístas na vida humana presente e nas gerações futuras e pôde pesar cada pensamento, cada palavra dita, cada ação sua diante da verdade e do amor. Pedro pesou minuciosamente cada segundo da sua vida e pôde analisar sob o prisma do amor e da verdade cada ato e pensamento, cada omissão e desleixo. Diante de sua visão tudo isso ocorreu em um só segundo, e Pedro ficou consternado e preferiu morrer e sofrer todos os tormentos do mundo a voltar a cometer o menor ato de desleixo. O que mais lhe doeu foi que ele viu uma senhora, setenta anos depois de sua morte, que foi maltratada durante muito tempo pelo marido e um dia sofreu um traumatismo craniano por causa de um mau exemplo que Pedro deu ao seu filho mais novo e seu filho transmitiu ao seu filho, e este seu neto comentou com um colega do trabalho que acabou seguindo o exemplo, levando a maldade até sua esposa. Pedro viu também o que seus bons atos fizeram aos que conhecia e às gerações futuras, e em sua consciência tudo isso foi envolto com a justiça divina.
Depois de contemplar sua vida, o Homem olhou profundamente para Pedro e envolto de um sentimento infinito de humildade, Pedro viu toda a vida de Jesus na Terra, desde o momento do nascimento até o ultimo segundo de sua vida. Cada palavra, cada gesto, cada pensamento humano de Jesus, cada sacrifício que Ele fez... tudo era cheio de amor e verdade. Ele não viu um único ato de egoísmo ou mesmo desleixo e desobediência. Diante dessa graça, Pedro achou que não seria capaz de suportar mais nada, pois ao ver tudo o que Jesus fez, sem um único ato de egoísmo ou mentira, sem errar em nada, uma onda de assombrosa gratidão invadiu todo o ser de Pedro.
Ao mesmo tempo que tudo isso acontecia, algo aterrorizante ocorreu. Pedro sentiu-se inevitavelmente impelido a comparar sua vida com a vida terrestre de Jesus. Foi o momento mais amedrontador da vida de Pedro. Suas ações não tinham peso algum diante dos atos de Jesus, e sua imperfeição em todas as coisas era evidente. Ele sentiu-se impotente e indigno de ao menos existir.
A partir desse instante, ele não conseguiu olhar para aquele Homem face a face.
- Pai, eu não mereço existir.
Nesse instante, Pedro sentiu-se envolvido de um amor e perdão que o fez ainda mais se sentir indigno de ao menos pensar diante de Jesus.
- Eu sei que você não merece, Pedro. Mas Eu te escolhi, e você me escolheu no mundo, ao invés de escolher o mundo. Não podemos viver longe um do outro, Pedro. Nós nos amamos.
Ao ouvir isso, a alma de Pedro foi penetrada de uma elevadíssima disposição e afeto infinito pelo Homem. Um som indizível e inefável percorreu todo o universo, e Pedro deslumbrou por um segundo tudo o que o esperava no Paraíso. Uma multidão incontável de seres humanos estava lá num arroubo de amor e vida; um mar sem fim de espíritos angelicais cantava num êxtase um cântico jamais ouvido. Foi tudo o que pôde ver.
As palavras do Mestre Humano penetraram a alma de Pedro e ele quis morrer de amor.
- Tudo isto te espera, Pedro, meu amado amigo, e muito mais. Ainda não te posso mostrar minha divindade, somente quando você estiver preparado.
- Não posso ir para lá ainda, meu Deus. Eu não sobreviveria lá.
Foi o único momento que Pedro viu o Homem sorrir, e foi nesse momento que ele voltou a olhar Jesus. Ele não estava mais com a coroa e isso demonstrava que o julgamento tinha chegado ao fim.
Nesse momento Pedro sentiu uma grande onda de um conhecimento divino de muitas coisas invadir sua mente. Ele viu todas as pessoas que dependiam dele na Terra e o que podia fazer para ajudá-los. Viu o que ele deveria fazer para estar preparado para o Reino eterno e o que aconteceria a ele após estar preparado. Pedro entendeu todos os planos de Deus para sua vida e nada lhe ficou oculto. Ao saber o que Deus lhe reservava, Pedro voltou para o Homem.
- Mande-me para onde quiseres, meu Deus amado. Eu mereço e quero te agradar em tudo.
- Tudo está consumado! – disse uma voz que cortou o universo. Uma voz poderosa, amável, doce e cheia de uma beleza ímpar. E Pedro soube que era a voz inigualável do Filho de Deus.
O Filho do homem deixou-o e o embaixador apareceu de novo e o arrebatou até uma multidão incontável cheia de amor e fidelidade a Deus. Quando postou-se ali no meio daquela multidão, Pedro sentiu o amor de Deus invadir seu ser e queimar em sua alma, pelo fogo da verdade e da justiça, todas as penas que mereciam os atos de Pedro. A lembrança da presença de Jesus e da alegria celeste estava na alma de Pedro e ele aceitou estar ali porque sabia que não ficaria ali para sempre e por que suas ações más mereciam tal estado. Deus o esperava.
E Pedro deixou o poder do amor divino preparar sua essência para se tornar capaz de entrar naquele estado de vida divina... e logo Pedro estaria preparado.